NOTÍCIA

Revista VEJA em 15 de JUHO de 2009 – Páginas 166 e 167

O TESOURO ATRÁS DA PAREDE

As reformas no Theatro Municipal do Rio desvelaram um painel do impressionista Eliseu Visconti que se pensava ter sido destruído, mas estava escondido atrás de outra pintura do mesmo artista. O problema agora é como retirá-la de lá.

Há uma semana, um dos profissionais empregados na reforma do Theatro Municipal do Rio de Janeiro descobriu um tesouro. A 15 metros de altura, no entreforro do prédio, o eletrecista Alexandre de Lima Alves, de 32 anos, encontrou um vão de 50 centímetros entre duas paredes. Iluminando o local, Lima Alves viu pinturas de anjos e tirou uma foto com seu celular. Quando mostrou a imagem aos diretores da obra, causou um rebuliço. Ele descobrira uma pintura do artista ítalo-brasileiro Eliseu Visconti (1866-1044) que todos supunham destruída havia pelo menos setenta anos. O painel A Poesia e o Amor Afastando a Virtude do Vício decorava originalmente o arco sobre o proscênio – a parte do palco mais perto da platéia – e estava oculto desde a primeira reforma do teatro, iniciada em 1934. Sua descoberta se deu pucos dias antes do aniversário de 100 anos do Municipal, que será celebrado na próxima terça-feira – a efeméride motivou a reforma do prédio, que ocupa 350 pessoas e vai custar 60 milhões de reais.

A restauração das pinturas do teatro é um dos pontos centrais da reforma. Principal representante do impressionismo no Brasil, Visconti é, no mercado nacional, o mais valorizado pintor do século XIX – um quadro seu, de tamanho pequeno, pode chegar a 500 000 reais. O valor do painel redescoberto, de 15 por 4 metros, é incalculável. Seu ocultamento no prédio parece ter sido planejado pelo próprio artista. Visconti trabalhou na decoração do Municipal entre 1906 e 1915. Pintou, além do arco do proscênio, o teto da platéia e do foyer e o pano de boca do palco. Em 1934, a boca de cena do teatro foi alargada, e Visconti, então com 68 anos, foi convidado a ampliar também a imagem do arco sobre o proscênio. Em vez de fazer apenas um acréscimo, o autor decidiu substituir o trabalho antigo por um novo, As Nove Musas Recebem as Ondas Sonoras, repleto de mulheres nuas esvoaçantes (no trabalho anterior, redescoberto agora, predominavam os anjinhos). Na época, sem deixar registro, o pintor determinou que o suporte da nova pintura fosse construído mantendo uma pequena distância do painel original, que assim ficou emparedado. “Visconti provavelmente agiu como os escritores que guardam na gaveta versões antigas de seus textos. Preservou uma obra para que alguém no futuro decidisse o que fazer com ela”, diz Carlos Fernando de Souza Leão Andrade, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no Rio. A técnica empregada por Visconti garantiu a conservação da obra original. Ele não pintava diretamente sobre a parede ou o teto, mas produzia telas gigantes, que só depois eram coladas no suporte – método chamado de marouflage. Os primeiros trabalhos para o Theatro Municipal foram feitos em seu ateliê de Paris, que tinha um pé-direito de 4 metros, e transportados de navio para o Rio de Janeiro.

A técnica do marouflage também permite a remoção da pintura da parede para restauro, como já foi feito com as peças de Visconti que decoravam o foyer do teatro. Mas, no caso do painel redescoberto, o processo não é tão simples. O espaço entre os dois painéis do proscênio é estreito. Será difícil retirar o original sem danificar a pintura mais recente – ou seja, o custo de tornar pública uma pintura pode ser a destruição da outra. Por causa da dificuldade de acesso, não há uma avaliação precisa do estado de conservação do painel oculto. Há ainda um complicador de ordem burocrática. O Theatro Municipal foi tombado pelo Iphan em 1973. A tela, que na época era desconhecida, não consta nos registros de tombamento. É possível discutir se o dever de conservação também se aplica a ela. Os descendentes de Visconti, informados da descoberta, já reivindicam sua retirada. “Hoje devem existir técnicas que permitam isso. E se não o fizerem agora, vão deixá-la fechada por quanto tempo mais?”, questiona Tobias Visconti, neto do pintor.

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